Na chamada democracia, seja qual for a sua significação, nós elegemos, para nos representar, aqueles que são iguais a nós, aqueles de quem gostamos, que têm a voz mais forte, a mente mais inteligente, ou o que quer que seja. Assim, evidentemente, o governo é o que nós somos, não achais? E que somos nós? Somos uma massa de reações condicionadas — violência, avidez, aquisicionismo, inveja, volúpia de poder, etc. Naturalmente o governo é o que nós somos, isto é, a violência sob diferentes formas; e como pode um homem em cujo ser realmente não existe a violência, pertencer, quer em nome, quer de fato, a uma estrutura que é violenta? Pode a realidade coexistir com a violência, que é o que chamamos governo? Pode um homem que busca ou que experimenta a realidade ter qualquer coisa em comum com os governos soberanos, com o nacionalismo, com uma ideologia, com a política de partidos, com um sistema de poder? O homem pacífico pensa que, aderindo a um governo, estará habilitado a prestar algum serviço útil. Que acontece, quando ingressa no governo? A estrutura é tão poderosa que o absorve, e ele muito pouco pode fazer. Senhor, isso é um fato, a que assistimos hoje no mundo. Quando uma pessoa ingressa num partido, ou se candidata a uma eleição para o parlamento, ou que quer que seja, tem de aceitar o programa do partido. Por conseguinte, deixa de pensar. E como pode um homem que se entregou a um outro — a um partido, a um governo, ou a um guru — achar a realidade? E como pode aquele que busca a verdade ter qualquer relação com a política das potências?
Vede, Senhores, fazemos tais perguntas, porque nos agrada depender da autoridade exterior, do ambiente, para a transformação de nós mesmos. Esperamos que os chefes, os governos, os partidos, os sistemas, os padrões de ação, de alguma maneira nos transformarão, de alguma maneira implantarão a ordem e a paz em nossas vidas. Esta é por certo a base de todas as perguntas deste gênero, não é verdade? Pode um outro, seja um governo, um guru, ou um demônio, dar-vos a paz e a ordem? Pode alguém trazer-vos felicidade e amor? De certo que não. A paz só pode nascer depois de perfeitamente compreendida a confusão que nós mesmos criamos, compreendida não no nível verbal, mas interiormente; depois de afastadas as causas da confusão e da luta, teremos sem dúvida a paz e a liberdade. Entretanto, sem cuidarmos de eliminar as causas, preferimos recorrer à autoridade externa, para que nos dê paz; e o exterior é sempre submergido pelo interior. Enquanto existir o conflito psicológico, a ânsia de poder, de posição, etc., qualquer que seja a estrutura exterior, por melhor que tenha sido edificada, por mais benéfica e ordeira que seja, sempre será dominada pela confusão interior. Por conseguinte, é óbvio que devemos dar toda a importância ao interior e não ficar na mera dependência do exterior.
Krishnamurti – Da Insatisfação à Felicidade
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